Autoria: site de divulgação
da XV Jornada das Escolas Lacanianas de Psicanálise em 2016
da XV Jornada das Escolas Lacanianas de Psicanálise em 2016
- Uma pergunta para a
psicanálise -
Um laço especial liga a
psicanálise com as mulheres. Foram elas que abriram as portas do inconsciente para
Sigmund Freud, conduzindo-o à criação da psicanálise. Desde então, a questão freudiana
"o que querem as mulheres?" é central para a prática analítica.
Sobre a questão da feminilidade todos
os homens têm refletido, em todos os tempos, mas não só eles suaram rios de
tinta e paixão sobre este mistério: também afeta as mulheres.
A psicanálise mostra que o
feminino "pela natureza das coisas, que é a palavra"1, é o
protótipo da alteridade para todo o ser falante. Existem "mulheres".
Elas são as únicas que vêm para a psicanálise oferecendo uma variedade de
figuras, tanto mais diversas, quanto, ao mesmo tempo, não há nenhuma essência
que defina o que é "mulher".
O enigma do feminino continua
perturbando a suposta universalidade dos ideais e valores definidos. A psicanálise
de orientação lacaniana revela que qualquer tentativa de reduzir a diversidade feminina
a um todo universal, provoca danos à subjetividade e a cultura que podem ser
irreparáveis.
Jacques-Alain Miller para a
atualidade já havia assinalado que a aspiração à virilidade, classicamente descrita
por Freud, foi substituída hoje por uma aspiração à feminilidade, isto é,
trazendo suas palavras para a atualidade. Esta mudança não é derivada somente
da ascensão do feminismo, ou a inclusão de mulheres na cultura, economia e
política, mas é principalmente devido ao avanço de uma sociedade que está se
acostumando com a dissolução dos ideais normativos, particularmente aqueles que
buscam regular as relações entre os sexos.
Ao mesmo tempo, o ódio e a
rejeição as mulheres continuam. O esforço para conter a violência de gênero,
por meio de campanhas de educação e prevenção, não parece produzir mais do que
um registro estatístico dos casos, sem obter os resultados esperados. Para
piorar a situação há lugares no mundo onde as mulheres estão sujeitas a
rejeição e a degradação, culturalmente aceita, em todos os níveis da vida
pública e privada.
As transformações nas sociedades
ocidentais contemporâneas mudaram os papéis em que tradicionalmente as mulheres
foram colocadas e também os seus significados. A mulher moderna pode jogar o
jogo da vida na lógica masculina, tanto no plano erótico – tornando os homens objetos
usados para o próprio gozo, sem que haja amor - quanto no profissional - postergando
o casamento e a maternidade para alcançar os objetivos do mercado. No entanto,
esta estratégia tem suas desvantagens: quanto mais funcionam como
"eles", mais elas se perdem. A experiência clínica nos ensina que a
separação entre amor e sexo leva muitas mulheres ao sofrimento, porque o amor
em suas várias formas segue sendo-lhes imprescindível.
Falar-amar-gozar, é a sequência habitualmente necessária a vida
erótica das mulheres. Elas podem dirigir uma, ou outra vez suas demandas de
palavras contra um parceiro hermético (que pode ter o sentido de silencioso,
enigmático), ou talvez se deslumbrar com aquele ou aquela, cujas palavras
levem-nas a um estado de felicidade extra-ordinária.
No extremo, encontramos certa
"loucura" feminina derivada da busca de um amor absoluto, pelo qual
algumas estariam dispostas a dar tudo: a sua dignidade, os seus bens e até
mesmo a vida. Um estrago, entendida como uma devastação que não conhece limite,
este é o preço que essas mulheres pagam por sua insaciável demanda por amor.
Em resumo: a relação entre os
sexos se torna um assunto de discurso assegurado a perpetuidade. O desejo é uma
busca interminável e o amor uma forma de se "salvar" de suas
armadilhas. Nesse sentido, isso não é diferente de ontem ou amanhã.
Feminilidade foi, é, e permanecerá sob interrogatório constante.
A novidade é que o discurso
dominante não está interessado em abordar as grandes questões. Vivemos no tempo
das respostas para tudo, daquelas que provém da ciência e sua causa genética e
neurológica, das que nos chegam da psicologia em termos de adaptação do
comportamento, ou das que oferecem a técnica com a sua vontade ilimitada de agir
no mais íntimo da vida humana.
É uma ilusão acreditar que ao
estudar o genoma ou o cérebro, a verdade do falante chegará a ser revelada, já
que há um limite intransponível, o qual nenhum saber pode dar conta. A mulher é
um dos nomes deste limite. Por outro lado, constatamos a aparição de novos semblantes
e formas inéditas de “aparecimento” que são: as mulheres que se tornam homens;
que entram na maternidade por meio da fecundação de um óvulo com um esperma de
doador anônimo; que se casam com outra mulher; que estão sozinhas; além das que
comandam empresas e se alistam no exército. A clínica psicanalítica mostra que
existe nesses labirintos a possibilidade de que uma mulher pode encontrar a sua
própria solução. Se trata de orientar-se segundo o modo singular de gozo de
cada uma, dando-lhe a dignidade que merece.
Jacques Lacan nos convida a
deixar-nos ser questionados pelo feminino, sabendo que ele nunca pode ser dito em
totalidade, o que não impede que o discurso analítico possa fornecer algumas
referências sobre as mulheres, uma por uma.
Nota de Rodapé:
- [1] Lacan, Jacques:
Lição de 20 de fevereiro de 1973
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